Jurisprudência Comentada #2 - Alfredo Bottone

Jurisprudência Comentada #2

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Jurisprudência Comentada #2

a) Justiça do trabalho mantém justa causa de trabalhador que realiza negócios em concorrência direta com a empregadora

Na 1ª Vara do Trabalho de Uberlândia, o juiz João Rodrigues Filho decidiu manter a justa causa aplicada a um empregado que se aproveitou da sua condição de vendedor na empresa para realizar negócios particulares, em concorrência direta com a empregadora. Os negócios eram feitos no horário de trabalho, com veículo e uniforme da empresa e sem o conhecimento desta. E não é só isso: o reclamante se aliou a outro vendedor da reclamada para realizar atividades desonestas, prejudicando clientes da empresa. Ao analisar a prova oral e documental produzida, o juiz sentenciante observou que o reclamante e o colega de trabalho chegaram a ser denunciados pela prática de crime de estelionato. Isso porque eles intermediaram a venda de uma máquina de um cliente da ré, receberam o valor negociado, mas não pagaram integralmente ao vendedor. O julgador verificou ainda que esse mesmo cliente havia comprado da ré cabines para tratores, tendo sido atendido pelo reclamante. Mas, depois, ele aconselhou o cliente a desistir do negócio e efetuar a compra diretamente da fábrica, porque ficaria mais barato. Este fato acarretou para a reclamada a perda da venda e a devolução da quantia paga pelo cliente. Com base nas declarações de outro cliente da ré, o magistrado constatou que o reclamante vendeu uma máquina de propriedade daquele, ficando com o saldo remanescente do valor pedido. Diante desse quadro, o magistrado entendeu que a justa causa aplicada está respaldada por provas firmes e convincentes do ato grave praticado pelo empregado e em conformidade com as disposições do artigo 482, a, b e c, da CLT. Portanto, foi declarada a legalidade da dispensa por justa causa e indeferidos os pedidos do reclamante nesse aspecto. Houve recurso, ainda pendente de julgamento no TRT mineiro.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região

Comentário: A falta cometida nesse caso foi tão grave que houve o enquadramento simultâneo em três alíneas do artigo 482 da CLT: a) ato de improbidade (desonestidade para obter vantagem); b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço. O pior de tudo é que há empregados que cometem esse tipo de falta e ainda têm a ousadia de tentar anular a justa causa, alguns até com pedido de dano moral. Felizmente, diante de prova contundente, a Justiça não tem sido benevolente com esses aventureiros, que acham que a empresa é sempre rica e pode suportar o prejuízo causado pelo empregado e ainda indenizá-lo. Na verdade, até caberia o pedido de dano moral pela empresa num caso como esse. Algumas empresas têm obtido sucesso quando são extorquidas por “empregados”. O contrato de trabalho é bilateral e gera obrigações recíprocas quem não as cumprir deve arcar com as consequências.

b) Trabalhador que continua no emprego após aposentadoria tem direito à multa sobre FGTS na dispensa sem justa causa.  

Se o empregado continua prestando serviços ao mesmo empregador após a aposentadoria espontânea, terá direito à multa de 40% sobre o FGTS depositado em sua conta vinculada. Isto porque, nesse caso, a aposentadoria espontânea não causa a extinção do contrato de trabalho. É esse o teor da Orientação Jurisprudencial nº 361 da SDI-1 do TST, aplicada pela juíza Maria Irene Silva de Castro Coelho, titular da 1ª Vara do Trabalho de João Monlevade, ao julgar o caso de um trabalhador que reclamou o recebimento da multa fundiária, não quitada pela empresa ao dispensá-lo sem justa causa após a sua aposentadoria. Ao se defender, a ré sustentou que o contrato de trabalho do reclamante foi extinto naturalmente, em razão de aposentadoria concedida ao empregado, na forma especial, de acordo com o artigo 57 da Lei nº 8.213/1991, sendo esse benefício incompatível com a continuidade do vínculo empregatício entre as partes. Rechaçando o argumento, a juíza salientou que o Supremo Tribunal Federal, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.721/06, suspendeu a eficácia do parágrafo 2º do artigo 453 da CLT. Portanto, não há mais extinção do contrato de trabalho quando o empregado se aposenta voluntariamente, pois a lei previdenciária não mais exige que o trabalhador se afaste do emprego para a concessão do benefício, conforme artigo 49 da Lei nº 8.2013/1991. O TST já se manifestou nesse mesmo sentido na Orientação Jurisprudencial nº 361 da SDI-1. A julgadora ressaltou que, no caso de aposentadoria especial, a relação de natureza previdenciária mantida com o INSS é diferente e independente do contrato de trabalho mantido com a empregadora, uma vez que o disposto nos artigos 46 e 57, parágrafo 8º, da Lei nº 8.213/1991 não levam necessariamente à extinção do contrato de trabalho, desde que o beneficiário da Previdência Social passe a exercer atividades compatíveis com o benefício recebido. No entender da magistrada, a conjugação do artigo 46 com o parágrafo 8º do artigo 57, ambos da Lei nº 8.213/1991, leva à conclusão que o segurado em gozo de aposentadoria especial que continuar exercendo atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos terá sua aposentadoria cancelada, à exceção daquele que for readaptado em funções compatíveis com sua nova condição. Portanto, não existe incompatibilidade absoluta entre a aposentadoria especial e a continuidade do contrato de trabalho. Por fim, a juíza frisou que o reclamante obteve a concessão da aposentadoria especial em abril de 2012 e continuou a trabalhar na reclamada até abril de 2013, quando foi dispensado sem justa causa. Assim, houve, no caso, continuidade da relação de emprego e posterior dispensa imotivada por parte da empregadora, que, inclusive, pagou o aviso prévio indenizado ao empregado. Diante dos fatos, a magistrada julgou parcialmente procedentes os pedidos e condenou a reclamada a pagar ao reclamante a multa rescisória de 40% sobre os depósitos do FGTS realizados na conta vinculada do empregado. Decisão mantida pelo TRT de Minas ao julgar o recurso da ré.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região

Comentário: Nesse julgamento são tratadas duas questões. A primeira é que, conforme posição já consolidada pelo Judiciário, a aposentadoria não extingue o contrato. Por isso, obtendo a aposentadoria e o empregado continuando no emprego, ao ter o contrato rescindido pelo empregador, ele fará jus à multa do FGTS de todo o período trabalhado na empresa (das empresas anteriores que não tenha resgatado, não cabe à última empresa qualquer responsabilidade). A segunda questão abordada nesse julgamento é em relação aos que fazem jus à aposentadoria especial – se o empregado obtém a aposentadoria e continua trabalhando, o INSS poderá cancelar a aposentadoria concedida. Se passar exercer atividade que não esteja sujeito ao regime de aposentadoria especial, a aposentadoria fica mantida e se houver a rescisão do contrato de trabalho do empregado, por iniciativa da empresa, será devida a multa do FGTS. Há alguns anos, muitas empresas entendiam que quando o empregado obtivesse o direito à aposentadoria, a multa do FGTS não era devida, exceto sobre o FGTS recolhido após a aposentadoria. Após vários casos submetidos à Justiça, o entendimento atual é unânime no sentido de que, havendo demissão sem justa causa, mesmo de aposentado, sempre é devida a multa do FGTS, mesmo no caso de aposentado que continua trabalhando.